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A geração de filhos que não lida com tristeza e frustração. Ainda poderemos ajudá-los!

Atualizado: 20 de jul. de 2021


Por que não permitimos que nossos filhos fiquem tristes, o que há de tão mal nisso? Estamos sempre os protegendo das frustrações, sem percebermos o quanto é importante viver este sentimento.

Vamos relembrar um pouco sobre a trama do filme Divertida Mente, que é dividida em duas aventuras intimamente relacionadas. A primeira é a aventura no plano da vida real: Riley, que é uma menina que se muda da cidade em que nasceu, e que junto com seus pais encara o desafio de construir uma vida em outro lugar. Felizmente para eles Riley é uma menina feliz, que nunca reclama, atitude que alivia esse processo estressante e difícil de mudança de vida.

A segunda aventura se passa dentro do cérebro de Riley, que no filme é comandado por cinco emoções: Alegria, Tristeza, Nojinho, Medo e Raiva. Alegria é a emoção dominante e, enquanto cada uma exerce sua função, a Tristeza tende a ser excluída o máximo possível – uma metáfora poderosa para a repressão dos sentimentos. Quando a Tristeza começa a dominar algumas memórias chave, a Alegria tenta controlar a situação e, como resultado, as duas emoções saem do seu “centro de controle” e o caos se instaura.

Enquanto espectadores, caímos perfeitamente na armadilha narrativa: de início, tendemos a estar do lado da Alegria, afinal, a Tristeza só estragaria momentos felizes. Entretanto, a história avança e a Alegria fica mais maníaca e desesperada para não deixar a Tristeza entrar, reprimindo a emoção a qualquer custo. Até que a Alegria testemunha a Tristeza consolando um amigo, e percebe que a tristeza tem uma função importante no nosso desenvolvimento emocional. Ficar triste é normal, e a tristeza não é inimiga das demais emoções, mas sim uma emoção articulada com todas as outras que habitam nossas mentes. O filme é muito assertivo também ao mostrar que a entrada para a depressão de Riley não vem do domínio da Tristeza, mas sim da ausência das emoções. Riley não conseguia sentir nada, então suas decisões se tornam confusas, pois não consegue perceber as dificuldades pelas quais está passando. É uma rica possibilidade de reflexão.

Vivemos em uma era que valoriza a felicidade e alegria acima de todas as coisas, e isso é uma pressão enorme para todos, adultos e crianças. O esforço para ser “perfeito”, a felicidade das pessoas nas redes sociais, faz com a gente não se permita, nem aos nossos filhos, sentir tristeza, frustração, ou qualquer outro sentimento “negativo”. Como se isso fizesse de nós pessoas fracas. Estamos educando uma geração de pessoas que não se conforma com pouco, uma geração de filhos que não sabe se frustrar. Os estímulos estão acelerados demais, seja com presentes em todo momento, seja com os smartphones que eles ganham cedo demais, jogos eletrônicos cada vez mais modernos e caros, sem tempo determinado para utilização… Os filhos querem tudo de uma vez, e nós estamos fornecendo, sem nos darmos conta (espero) do quanto estamos tirando das nossas crianças a possibilidade de desenvolverem habilidades sócio emocionais fundamentais para a felicidade deles: a capacidade de se colocarem no lugar do outro, de opinar em vez de mandar, de trabalhar em equipe, de exercitarem a espera, o merecimento e a paciência para evitarem crises de ansiedade no futuro… Sem frustração as crianças não desenvolverão a inteligência emocional. A frustração não significa fracasso! Pelo contrário, é edificante.

Muitos autores, divididos entre as mais diferentes áreas (medicina, educação, jornalismo, psicologia, etc.), estudam hoje sobre este assunto. É comum ouvirmos o relato de pais dizendo que seus filhos não sabem perder em jogos e em brincadeiras, que fazem escândalos quando não querem sair de uma festa ou quando querem vestir uma roupa que julgamos inadequada, apresentando um inconformismo exagerado frente a situações corriqueiras. Crianças de todas as idades não querem mais ouvir a palavra “não”, e, quando não se jogam no chão para fazer birra, estão sempre questionando o que é ou não “justo”, porque acham que têm direito a tudo. Ou seja, estamos criando uma geração de pessoas que não quer se esforçar para conseguir nada, e que acha que a felicidade e o consumo (que para muitos é a mesma coisa, infelizmente) devem ser fornecidos pelos pais a qualquer custo, sem nada em troca, nem mesmo suas obrigações.

É uma grande pena, pois em algum momento o muro de proteção vai cair. Acreditar que se pode tudo é o atalho mais rápido para alcançar a frustração que paralisa, e não aquela que move, que faz a gente querer vencer e seguir em frente. As crianças que crescerem acreditando que a vida tem que ser do jeito que esperam, que tiveram sempre alguém para servi-los, que não adquiriram autonomia, que não sabem se defender, que ganharam tudo o que quiseram porque seus pais podiam comprar, terão grande chance de se tornarem pessoas muitas frustradas com a vida, ansiosas demais, que não comemoram suas conquistas e estarão sempre em busca de algo que nem elas sabem o que é. Ou seja, uma pessoa com muitos problemas emocionais.

Terão dificuldade de casar ou se relacionar porque não irão querer ceder a nada, serão líderes ruins porque não saberão se colocar no lugar do outro, serão profissionais sem inteligência emocional, pois não conseguirão parar e pensar antes de agir. É como se achassem que o mercado de trabalho é uma continuação de suas casas, com gestores “bondosos” e complacentes como seus pais, que cedem para a insistência, para a chantagem ou para a carinha de “pidão”.

É muito importante refletirmos sobre a educação que estamos fornecendo aos “amores da nossa vida”. Eles estudam em bons colégios, têm acessos às melhores bolsas e roupas, aprendem outras línguas, viajam para o exterior, têm acesso à cultura, à tecnologia… É uma geração que teve muito mais do que nós, seus pais, contudo, a maior parte está crescendo (ou já cresceu) com a ilusão de que a vida é fácil.

Falando sobre esta geração, Eliane Brum, documentarista brasileira com mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem relatou: “Ao conviver com os bem mais jovens, com aqueles que se tornaram adultos há pouco e com aqueles que estão tateando para virar gente grande, percebo que estamos diante da geração mais preparada e, ao mesmo tempo, mais despreparada de todas. Preparada do ponto de vista das habilidades, despreparada porque não sabe lidar com frustrações. Preparada porque é capaz de usar as ferramentas da tecnologia com maestria, despreparada porque não conhece o esforço, porque desconhece a fragilidade da matéria da vida.”

Talvez seja por excesso de amor, ou de culpa, ou dos dois, mas não estamos ensinando nossos filhos a lutarem pelo que querem, eles vão sofrer porque de forma indireta fazemos com que acreditem que nasceram com o patrimônio da felicidade.

Eliane cita ainda “(…) Tão importante quanto uma boa escola, um curso de línguas ou um Ipad é dizer de vez em quando: “te vira, meu filho, você poderá contar sempre comigo, mas essa briga é sua”.” Vamos mostrar aos nossos filhos os esforços que fazemos para que eles tenham tantos acessos, mostrar que nós, pais, erramos, que temos medos, dúvidas, incertezas… Não há uma receita pronta, mas temos que pensar em cada atitude deles hoje, sendo repetida no futuro, por homens e mulheres! É isso que vai acontecer, porque é na primeira infância que eles serão “formatados”.

A jornalista americana Pamela Druckerman, 42 anos, morou em Paris no ano de 2004. Olhando em volta, percebeu como as crianças eram educadas e resolveu então investigar como os franceses conseguiam criar filhos tão bem comportados. O resultado está no best-seller Bringing up Bébé, lançado em vinte países e que acaba de chegar às livrarias brasileiras com o título Crianças Francesas Não Fazem Manha.

Segundo Pamela, os franceses são ótimos educadores e pais, se dedicam exclusivamente aos filhos durante a licença materna e paterna, mas não permitem que a vida da família gire em torno da criança. Depois dos dois anos de idade, a criança precisa entender que nasceu dentro de um contexto, que havia um casal que se amava e que a gerou, e que agora ela tem que se adaptar à vida deles, e não o inverso. Pamela relata no livro que os pais franceses dizem não e estabelecem limites desde muito cedo, e o quanto isso transmite segurança à criança. Ela entende com clareza como deve se comportar e o que é respeito.

Precisamos dialogar sim, mas não podemos abrir espaço para longas discussões se acharmos que o assunto não merece. Precisamos ser firmes, mostrar que nós mandamos casa, decidimos o que fazer… Algumas conversas com nossos filhos precisam terminar com firmeza, sem espaço para questionamentos e argumentações “infinitas”. Nós somos seus pais, nós mandamos, e pronto! E não devemos nos sentir culpados por isso. Isso é amor. Esta é a melhor atitude para ensinarmos às nossas crianças a terem paciência, respeito, resiliência e autocontrole. As crianças precisam deste limite, elas nos clamam por ele, porque só assim verão em seus pais segurança e exemplo de vida. O limite que os pais derem se transformarão e respeito e resiliência. Não estamos falando de gritos, castigos e nem de tratar crianças como adultos. O bom senso de cada família junto com as condições individuais da criança, deverão ser o norte para os pais.

Contudo, independentemente de quem seja a criança, especial ou típica, com uma patologia ou não, de pais separados ou não, de família hetero ou homoafetivas, adotadas ou não, algumas coisas são regra: não dê presentes fora de hora, não faça com que seu filho só cumpra uma tarefa com uma recompensa, dê opções de escolha para uma roupa, um restaurante, um passeio, mas não permita que uma criança “mande” na sua própria vida, isso é uma forma de abandono, é diferente de autonomia. Autonomia é criar para a criança um papel importante na casa, mandar que organize seus livrinhos, seus brinquedos. Deixar comer sozinho desde cedo (ela vai se sujar, a comida vai cair no chão, mas não dá aprender de outra forma), tomar banho sob supervisão (no início), escovar os dentes, puxar a mochila da escola, respeitar regras e horários sociais, dormir cedo, assistir aos programas de TV adequados para sua idade, usar eletrônicos por, no máximo, duas horas por dia… As reclamações e choros virão, certamente, mas com uma rotina e regras estabelecidas, com amor e atenção e toque acompanhando tudo isso, será muito difícil dar “errado”.

Então, antes de darmos um sim pela comodidade, culpa ou cansaço, pensemos no adulto que queremos formar. Não é uma tarefa fácil, também sou mãe, mas quem disse que educar é fácil?

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